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Crônica: O Sulcador Majestoso dos Espaços Azuis

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Giba Net: Crônica: O Sulcador Majestoso dos Espaços Azuis

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Crônica: O Sulcador Majestoso dos Espaços Azuis

* Nelson Valente
Conta-se uma história, que um certo dia, numa manhã ensolarada, que um pássaro aparecera em uma fazenda na minha querida cidade natal – Novo-Horizonte/SP.

Era pequeno e, ao invés da característica plumagem negra de urubu, apresentava-se com o corpo revestido por leve penugem branca, o que lhe dava um aspecto feio e grotesco.

Seu aparecimento provocou intenso alvoroço, entre os moradores. Santiago agarrou-o, acolheu-o carinhosamente, levou-o para casa, deu-lhe alimentos e, num gesto que bem demonstra a sensibilidade de seu coração, trouxe para a cidade.

À medida que o tempo passava, crescia o pequeno pássaro transviado, aumentando na mesma proporção o afeto recíproco entre Santiago e o sulcador majestoso dos espaços azuis.

A primitiva penugem branca fora substituída pelo sombrio e imaculado colorido negro; o bico de ave carnívora delineava pouco a pouco os seus poderosos contornos a procura do alimento preferido.

Em estranha e singela cerimônia, Santiago deu-lhe o nome de Sombra, gravando-o em pequena chapa de reluzente metal que lhe foi amarrado à perna direita.

E desde então, o negro pássaro constitui-se alvo de todas as atenções. Manso e obediente às ordens de seu senhor, enchia a casa toda com o rufar de suas enormes asas; quebrava o silêncio com o seu crocitar característico, afugentava os gatos do telhado, investindo, de outro lado, contra os representantes da raça canina que, furtivamente, procuravam virar as latas que encontravam no fundo do quintal...

Sob o abrigo seguro de seu humano protetor, dormia encolhido no recanto isolado de uma dependência existente numa extremidade da casa. Acordava aos primeiros albores da manhã, estirava as asas num genuíno espreguiçamento matinal e, com passos lentos e desengonçados, caminhava pela casa toda, a espera da primeira refeição, que não faltaria.

Depois, talvez cedendo aos impulsos do instinto, erguia vôo, desaparecendo na linha azul do horizonte.

Quiçá encontraria nessas viagens, lá ao longe, no recesso da mata silenciosa ou no cume de uma rocha alcantilada, a doce companheira que, arisca e desconfiada, recusava-se a segui-lo, não acreditando na bondade dos homens.

Horas depois regressava, anunciando ruidosamente sua chegada. Santiago esperava-o sempre, oferecendo-lhe como de hábito, suculentos nacos de carne que Sombra devorava em poucos instantes.

Mas, a maldade humana – certa feita, quando pousara em plena clareira no centro da cidade, garotos travessos o agarraram brutalmente fraturando-lhe uma asa. Santiago, prevendo o desastre, correu apressadamente, levando para a casa o urubu ferido. Prodigalizou-lhe todos os cuidados, recorrendo mesmo à competência de conhecido médico da cidade para salvar o pássaro que tanto estimava. Mas a terrível fratura exposta não deixava dúvidas sobre o intenso sofrimento e próximo fim da infeliz ave. Santiago não poderia suportar a lenta agonia do pobre Sombra. Sem coragem para efetuar o golpe de misericórdia , encarregou seu irmão Cândido para desfechar o tiro decisivo. Este, vacilante e comovido, executou a ordem dolorosa.

O estampido da cápsula ao deflagrar-se ecoou tristemente pela casa repercutindo em todas as dependências.

O negro pássaro agitou pela última vez suas imensas asas, como derradeiro agradecimento ao seu benfeitor, quebrando-se depois na eterna imobilidade da morte.

Santiago sentiu um nó na garganta e,no soluço que brotou do coração bem formado consubstanciava-se toda a afeição que, de modo singular, dedicava ao pobre ser alado que certa manhã aparecera na cidade de Novo-Horizonte/SP, provocando intenso alvoroço!...

A crônica foi a vencedora por mais de um ano na Rádio Bandeirantes. Imbatível !

* Nelson Valente é Professor universitário, jornalista, escritore amigo inestimável

Esta crônica pode ser ouvida no link abaixo:

Sulcador Majestoso  dos espaços azuis

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5 Comentários:

Às 20 de agosto de 2010 às 22:46 , Blogger Marcos Mariano disse...

Nossa que história linda e inuzitada
um Urubu domesticado bem interessante
mais essa história é real
muito boa a cronica

 
Às 20 de agosto de 2010 às 23:33 , Anonymous Anônimo disse...

É a crônica mais linda que li e ouvi em toda a minha vida.

Irene Santana
Blumenau/SC

 
Às 20 de agosto de 2010 às 23:38 , Anonymous Anônimo disse...

Inigualável ! Lindíssima ! Inquestionável ! Parabéns, senhor Giba, a oportunidade de estar lendo ouvindo crônicas que me fez chorar !


Paulo Figueiredo

 
Às 20 de agosto de 2010 às 23:54 , Anonymous Irene Santana disse...

Senhor Giba,

é a primeira vez na vida que senti-me comovida com uma crônica e a respeito de um urubu. Minha família também ouviu e minha mãe e meu pai choraram copiosamente. Não me canso de ouvir. Ganhei o dia.

Fique com Deus ! Obrigada por está maravilhosa crônica

Irene Santana

 
Às 21 de agosto de 2010 às 12:11 , Anonymous Rose disse...

Giba,podemos observar que além de uma história real, segundo o autor, trata-se de uma metáfora da vida cotidiana, discute-se se o ser humano, por sua capacidade altamente desenvolvida de interferir e transformar a natureza, não poderia também interferir na própria evolução humana. Nesse caso, poderíamos falar numa evolução social que interferiria na evolução natural ou biológica.
Digamos assim :
Para realizar e atender a metáfora psíquica de mudar o mundo, na busca de uma ilusória completude para suas vidas, os humanos violam e destroem os elementos da natureza, o cao homem é fera, mau, desprovido de conteúdos de humanidade; o animal é, por sua vez, antropomorfizado, humanizado, bom.
Essa dualidade é que compõe essa linda crônica de Nelson, parabéns !
Abraços fraternos
Rose@

 

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