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A curiosidade levou-me há dias...

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Giba Net: A curiosidade levou-me há dias...

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A curiosidade levou-me há dias...


(*) Nelson Valente

- Vi todas as minhas doenças reunidas, enquanto as olhava, não eram mais doenças e sim rosas que seriam plantadas e cresceriam.

A curiosidade levou-me há dias, a rebuscar nuns velhos papeis que guardo no fundo de uma gaveta esquecida, um pequeno caderno, no qual, à guisa de diário, na minha já distante adolescência, eu já rabiscava fatos ou acontecimentos passados em nossa cidade - Novo-Horizonte - São Paulo.

São folhas esparsas de uma era longínqua e saudosa, e nas páginas amarelecidas do modesto livreto pude sentir todo um poema de ternura e saudade, toda a beleza das épocas remotas.

Traços de coisas que se passaram, ensaios de incipientes composições literárias, inícios de contos brotados do fundo de nossa imaginação juvenil, fotografias de amigos que desapareceram, lembranças de namoradas que se diluíram na voragem dos anos que se sucederam...

E a velha e modesta que era Novo-Horizonte, com seus encantos de então, com suas imagens características de pequenina e esquecida povoação do Interior, passou pela minha memória, envoltas nas brumas da saudade.

Com que emoção, pois, curvado sobre o livrinho de anotações manuseando suas folhas desbotadas pelo tempo, sentindo-lhe o cheiro característico dos anos acumulados, eu sentia refluir os antigos sonhos cor-de-rosa, os mesmos laivos de grandeza instilados pela fonte da inocência, nascidas da pureza dos nossos sentimentos juvenis, quando aureolava à nossa vida mística , a deliciosa ondas das esperanças mais sublimes; quando acreditávamos que nas lindas noites de prenilúnio os fantasmas se reuniam à sombra da alta e frondosa árvore próximo da casa de minha avó.

Quantas recordações:

O sol caía a pino sobre Novo-Horizonte.

O trecho da rua Trajano Machado, compreendido entre a rua São Sebastião e a avenida Cel. Junqueira, onde terminava a cidade, encontrava-se absolutamente deserto. Nem uma viva alma a se movimentar na via silenciosa, batida em cheio pela soalheira implacável.

Súbito, um cavaleiro isolado aparece na esquina da Cel. Junqueira e, fincando a esporas no animal, desce a rua Trajano, estreptosamente, provocando a curiosidade dos sonolentos comerciantes que, apressados, acorriam às portas dos seus estabelecimentos para ver o que estava acontecendo.

O arrojado cavaleiro, notando-se alvo da curiosidade geral, exibia-se em arriscadas manobras equestres, lançando o animal sobre as calçadas e proporcionando um inusitado espetáculo às pessoas que, pouco a pouco, foram se aglomerando nos passeios de terra batida da mencionada rua.

O cavalo, colhido de surpresa pelo brusco movimento, relinchou ruidosamente, escarvando com os cascos a superfície ressequida do solo.

Densa nuvem de poeira avermelhada elevou-se para o alto envolvendo em seu torvelinho o cavaleiro e o animal.

Era evidente que o desconhecido cavaleiro tivera pouco antes um contato mais prolongado com Baco, pois que, a certa altura, começou a dirigir pesados insultos às pessoas próximas, ameaçando de fechar o comércio à bala da rua Trajano.

E vai daí, num gesto digno dos mais famosos pistoleiros do velho oeste americano, saca de um revólver de cano longo e dispara dois tiros para o ar, gritando:

- Eu fecho este comércio!

Diante do irretorquível argumento do seu reluzente revólver, o comércio fechou as portas, mesmo. Fechou com uma rapidez nunca vista, com as folhas das portas de madeira a se entrechocarem ruidosamente, enquanto lá fora um verdadeiro pandemônio se estabelecia, ouvindo-se imprecações, gritos, berros, tiros, correrias e mais ruídos indispensáveis às cenas dessa natureza.

Esgotada a carga da arma perigosa, felizmente toda ela atirada para o ar, o façanhudo cavaleiro, satisfeito por ter fechado o comércio da rua Trajano Machado, retirou-se velozmente desaparecendo na esquina da avenida Cel. Junqueira.

E a paz voltou a reinar nessa parte de minha cidade de Novo-Horizonte.

Tudo isso disse-me o caderno de anotações. Tudo isso e mais uma porção de coisas. Falou-me longamente das coisas esquecidas de minha terra!...

(*) é professor universitário,jornalista, escritor e amigo inestimável

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2 Comentários:

Às 26 de agosto de 2010 às 15:19 , Anonymous Rose disse...

Nelson, adoro esta linguagem que utiliza em suas crônicas e narrativas, faz nos viajar em sua terra natal, deve ter uma paisagem bem bucólica.
Agradeço ao amigo Giba por postar estas pérolas da literatura.
Abraços amigo !
Rose*

 
Às 26 de agosto de 2010 às 19:16 , Blogger Luís Eduardo Pirollo disse...

Meu caro amigo Giba. boa noite!!!
Que bom poder relembrar ou recordar este tempo transcrito no caderno de anotações de Nelson Valente... também vivi este tempo em minha pequena cidade do interior, que fica bem pertinho de Novo Horizonte.
Parabéns pela excelente postagem, adorei!!!
Abraços e muita paz!!!

 

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