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Jânio Quadros e Sua Fúria Sobre o Ministro

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Giba Net: Jânio Quadros e Sua Fúria Sobre o Ministro

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Jânio Quadros e Sua Fúria Sobre o Ministro

Jânio Quadros Começou a Descarregar sua Fúria Sobre o Ministro da Fazenda, Clemente Mariani

(*) Nelson Valente


               Uma onda de descontentamento varreu o país e Jânio Quadros começou a descarregar sua fúria sobre o ministro da Fazenda, Clemente Mariani que, como sabemos, tinha relações de parentesco com o jornalista e dono de jornal Carlos Lacerda. Aliás, era o próprio genro do ministro, o jovem Sérgio Lacerda que estava dirigindo a Tribuna de Imprensa e lhe regulava o tom dos ataques. Essa mudança na direção do jornal se deu porque Carlos Lacerda, eleito governador no novo Estado da Guanabara, teve de se afastar do cargo. Começava-se a formar a teia na qual Jânio ia se embaraçando, cada vez mais.
     
O encaminhamento da crise
     
 Se as medidas tomadas a partir de março prejudicaram a popularidade do novo Presidente, pelo menos serviram para atenuar a oposição que os meios financeiros internacionais vinham fazendo ao Brasil. Afinal, a maior parte dos empréstimos requeridos visava a dívida já contraída, que precisava ser rolada, para não colocar o país em estado pré-falimentar. Com as medidas de saneamento que o governo começara a tomar, surgia, finalmente, uma luz no fim do túnel.
     
Uma equipe de técnicos foi posta a campo para manter contatos com os países do primeiro mundo, donos do dinheiro. Lá se foram Walter Moreira Sales, Roberto Campos, Miguel Osório e João Dantas, visitando Estados Unidos, Alemanha, França, Itália, Inglaterra, Holanda, Suiça e Suécia. Todos esses países se beneficiaram com os "50 anos em 5" de Juscelino Kubitschek e se achavam no dever de ajudar o Brasil, se não por razões de ordem moral, pelo menos para preservar os investimentos feitos no país. 
     
A soma dos empréstimos obtidos, superior ao bilhão de dólares pretendidos inicialmente, atenuou a crise iminente mas muito pouco resultou em dinheiro novo. O Fundo Monetário Internacional, assim como banqueiros europeus e até o Japão acenaram com créditos "stand-by" (à disposição para retirada quando necessário) em torno de 200 milhões de dólares.
     
Afinal, respirava-se um pouco de ar fresco, o suficiente para permitir ao governo atacar outros problemas que iam se acumulando e exigiam solução. Entre eles, o descontentamento nos meios políticos pela falta de verbas, o que paralisava a administração pública em vários Estados. 
     
O governo itinerante
     
Jânio Quadros tinha uma aversão profunda pela classe política e, embora em desvantagem no Congresso, sobretudo na Câmara Federal, nada fez para melhorar sua base de apoio. Ao contrário, ao invés de negociar com parlamentares, trazendo-os para o seu redil, como fazia JK, preferiu tratar de assuntos administrativos diretamente com os governadores de Estado, criando um governo itinerante, à semelhança do que já tivera quando prefeito da capital paulista e, depois, como governador do Estado de São Paulo. 
     
 A primeira reunião se deu em Florianópolis, reunindo os governadores de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná, respectivamente Celso Ramos, Leonel Brizola e Nei Braga. De importante, resultaram verbas para acelerar a construção das BR-14, BR-35 e BR-87, bem como a construção de novas estradas vicinais para o escoamento da safra do café. Foram nomeadas comissões para a criação do Instituto Nacional do Pinho, do Conselho de Desenvolvimento Regional, do Banco Regional de Desenvolvimento e de uma empresa mista para geração de energia elétrica.
     
Veio nova reunião, desta vez em Campo Grande, com os governadores Fernando Correia da Costa, de Mato Grosso; Mauro Borges, de Goiás; Abelardo de Alvarenga Mafra, de Rondônia e José Altino Machado, do Acre. Discursando, Jânio disse que precisamos "dirigir a pátria de costas para o mar. No interior estão nossas esperanças; no interior reside nosso futuro. Esperanças de bem-estar, de abundância, de tranqüilidade social". Cuidou-se da criação de escolas e da realização de obras que possibilitem o desenvolvimento integrado da região. 
     
 Dentro da mesma linha, e sempre com resultados positivos no que tange à administração, foi realizada uma terceira reunião na região sudeste, com os governadores Carlos Lacerda (Guanabara), Celso Peçanha (Estado do Rio) e Carvalho Pinto (São Paulo); depois, a quarta e última reunião, com Pedro Gondim, da Paraíba, e Cid Sampaio, de Pernambuco.
     
 Esta última, como se vê, estava longe de representar a região do nordeste e mostra um esvaziamento desse tipo de governo. Os parlamentares, afastados da mediação política em seus Estados, absolutamente necessária para aumento de prestigio e conseqüente reeleição, passaram a bombardear o governo itinerante, que começou a se esvaziar.
     
Independente dos interesses pessoais de deputados e senadores, por vezes compreensíveis, por outras censuráveis, renasce, cristalina, a afirmativa de que em uma democracia, não é possível governar sem contar com o apoio das forças políticas; o isolamento do Congresso, traz, pois, como contra-partida, o isolamento do presidente da República. São poderes harmônicos, que não conseguem sobreviver um sem o outro. 
      
Cuba, o princípio do fim
      
O destaque que o governo brasileiro dava a Cuba em suas relações internacionais passou a desagradar bastante os países ocidentais, em especial os Estados Unidos. Criou também uma área de atrito com a direita brasileira que lhe dava apoio, sobretudo com a UDN, que não via com bons olhos a aproximação com o governo de Fidel Castro.
     
 Exilados cubanos em Miami passaram a organizar uma contra-ofensiva para retomar Cuba e, nesse propósito, contavam com apoio mal disfarçado do próprio governo dos Estados Unidos. Se o governo, oficialmente, não podia interferir no processo, em verdade, até a primeira dama, Jackeline Kennedy vinha auxiliando na obtenção de recursos para possibilitar a ação contra-revolucionária.
     
Deu-se, então, o ataque a Cuba, em 16 de abril de 1961, numa fracassada invasão à baía dos Porcos, "com a conivência de setores econômicos e militares norte-americanos, que pressionavam o presidente John F. Kennedy". 
     
Melhor situadas que o inimigo, e também melhor preparadas, as forças cubanas enfrentaram firmemente os invasores e rapidamente controlaram a situação militar, restando apenas o rescaldo político e diplomático, envolvendo sobretudo o posicionamento das nações latino-americanas. 
     
Dos países sul-americanos, apenas o governo brasileiro e o governo argentino, cujo presidente era Arturo Frondizi, deram irrestrito apoio a Cuba, baseados no princípio de soberania das Nações. 
     
É natural que, em tais circunstâncias, Fidel Castro enviasse aos dois países um seu mensageiro, Che Guevara, seu ministro da Economia, de nacionalidade argentina mas radicado em Cuba. Guevara havia participado desde há muito das ações guerrilheiras que resultaram na deposição do sargento Fulgêncio Batista e era um dos homens de confiança de Fidel. 
     
Não era uma missão específica. Guevara iria primeiro a Punta del Este, no Uruguai, participar de uma reunião extraordinária do Conselho Interamericano Econômico e Social. De lá seguiu para a Argentina, encontrando-se com o presidente Arturo Frondizi e gerando uma forte crise política naquele país. 
     
Em 19 de agosto, Che Guevara é recebido por Jânio Quadros em Brasília, o qual aproveita a ocasião para atender um pedido do núncio apostólico, monsenhor Lombardi, para interferir na libertação de 20 padres espanhóis, presos em Cuba. Havia, também, assuntos outros a discutir, como o caso da Mercedes Benz, que entabolara negócios com Cuba para a exportação de veículos àquele país.
     
 As negociações deram bom resultado em ambos os casos. No aspecto econômico, os entendimentos se ampliaram, aventando-se a possibilidade de realizar operação triangular, envolvendo Bulgária, Iugoslávia, Polônia e Rússia, para exportação de veículos, máquinas, ferramentas e material elétrico dos quais Cuba tanto estava precisando. O envolvimento de outros países era necessário, já que Cuba não dispunha de reservas para fazer o pagamento de importações diretamente ao Brasil.
     
No caso dos padres, Guevara concorda com a libertação, avisando, entretanto que, dentro das regras cubanas, eles serão em seguida expulsos para a Espanha. Jânio manifesta sua opinião de que a expulsão é um assunto interno de Cuba, que só a ela cabe resolver. O Brasil defende a libertação e com esse ato considera o pedido satisfeito. 
     
 Por fim, dentro de um ato de rotina com autoridades importantes que nos visitam, Che Guevara foi condecorado com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Essa condecoração podia ser feita por iniciativa do presidente da República, sem consulta a outros poderes, agraciando pessoas que tivessem prestado serviços relevantes ao país e este passava a ser o caso de Guevara.
     
Para a "banda de música" da UDN, foi a conta para iniciar o barulho contra o presidente da República e suas "tendências esquerdizantes, que estavam, segundo eles, levando o país aos braços do comunismo. 
     
Em resposta, no fim do mesmo dia, no Rio de Janeiro, o governador Carlos Lacerda condecorava o líder anti-castrista Manuel Antonio de Verona, que se encontrava no Brasil em busca de apoio para a Frente Revolucionária Democrática Cubana. 
      
No Rio de Janeiro, em Brasília, e em outros pontos do Brasil, a temperatura política sobe rapidamente. É o começo do fim para o governo de Jânio Quadros.
     
Lacerda volta a atacar
     
Dando uma no cravo e outra na ferradura, Lacerda vai a Brasília, em 18 de agosto, e consegue ser recebido pelo Presidente no Palácio da Alvorada. Seu pedido era de caráter particular. Precisava de um empréstimo do Banco do Brasil para saldar dívidas que comprometiam a Tribuna de Imprensa, neste momento dirigida por Sérgio Lacerda que, como se sabe, era o próprio genro do ministro da Fazenda. Salvar o filho de uma falência era também preservar o nome do ministro, seu parente. 
     
Não conseguiu o que desejava e, mais tarde, voltando ao Alvorada, onde esperava pernoitar, encontrou suas malas na portaria. Tudo foi fruto de um mal-entendido. Entendendo que Lacerda se hospedaria num hotel, Oscar Pedroso Horta, mandou que as malas fossem colocadas à disposição, evitando que, altas horas da noite, Lacerda fosse confundido com um estranho e impedido de reentrar no palácio. O incidente não foi assimilado e, para piorar, no dia seguinte, ocorre o episódio da condecoração a Guevara. 
     
Em 22 de agosto, entre aplausos e vaias, Lacerda participa de um debate com 1.200 estudantes em programa de auditório da TV Excelsior de São Paulo, fazendo críticas ao governo federal, principalmente com relação à sua política externa. 
     
Mas um incidente mais grave ocorreu no dia 24. Em 1955, já o narramos, para impedir o progresso da candidatura JK, Carlos Lacerda publicou uma falsa carta, conhecida como Carta Brandi, em que denunciava um conluio entre o candidato a vice, João Goulart e autoridades argentinas para iniciar no Brasil uma revolução sindicalista. Somente após as eleições é que veio a saber-se que tal carta era apócrifa. 
      
Agora, Lacerda ataca novamente. No dia 24, em cadeia de rádio e televisão no Rio de Janeiro, o governador da Guanabara denuncia outro complô, desta vez em Brasilia, envolvendo o presidente Jânio Quadros e seu ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, para realizar uma "reforma institucional", como o fizera Getúlio Vargas em 1937, com a implantação do Estado Novo. Disse mais que ele, Carlos Lacerda, fora convidado por Pedroso Horta para participar da ação.
     
Esta última afirmativa, por si só, desmonta toda a armação. Com as relações em crise, convidar Carlos Lacerda, o demolidor, para participar de um golpe palaciano já não é apenas um sinal de audácia, torna-se um sinal de burrice, de ignorância extrema. 
     
Fica apenas a palavra do Governador. Nenhum prova é exibida, nenhum indício é apresentado, nenhum testemunho é invocado para dar veracidade à denúncia. Mas em ambiente turbulento, a opinião pública escolhe a versão que melhor se adapte à sua própria opinião. Uma parte acredita em Jânio, a outra em Lacerda. E, com a crise, aumenta a efervescência política, criando um clima de ingovernabilidade. 
       
A Renúncia
     
Tudo isso aconteceu, altas horas da noite de 24 de agosto. Horas depois, na manhã de 25 de agosto, Jânio reinicia suas atividades, sem intenção de responder ao governador da Guanabara. Participa normalmente das comemorações do Dia do Soldado. Assiste uma exibição de paraquedistas, presencia o desfile militar, faz a tradicional revista de tropas, entrega medalhas da Ordem de Mérito Militar. Todo o protocolo foi rigidamente cumprido, em ambiente de pretensa calma, como se os acontecimentos do dia anterior tivesse caído no vazio. O governo prossegue em sua rotina. 
     
 O Correio Braziliense circula com matéria em destaque, relacionando os nomes indicados pelo Presidente para participar da delegação que participará da 16ª Assembléia da Organização das Nações Unidas. Até um resumo da pauta de reivindicações brasileiras estava sendo divulgado. O governo, aparentemente seguia sua rota.
     
Não era bem assim. Pela madrugada, ao tomar conhecimento do pronunciamento de Carlos Lacerda, o presidente telefonou ao chefe da Casa Civil, Quintanilha Ribeiro e ao chefe da Casa Militar, general Pedro Geraldo; falou com seu secretário particular, José Aparecido. A todos eles, deixou consignada sua determinação de renunciar, manifestando a opinião de que estava em curso uma ação para demolir a autoridade presidencial. "A conspiração está em marcha, mas vergar, eu não vergo", teria dito o Presidente. 
     
Terminadas as solenidades comemorativas do Dia do Soldado, Jânio reúne o Ministério e anuncia sua renúncia, que mantêm, a despeito dos apelos e das considerações, especialmente as que fez o ministro da guerra, marechal Odílio Dennys, reafirmando a fidelidade do Exército à autoridade constituída do presidente da República. Quintanilha, então, mais como seu amigo que como auxiliar, aconselhou-o a viajar, para evitar as repercussões do ato frente ao Congresso. 
     
 Desde as 9 horas da manhã, a Câmara Federal se achava reunida, transformada em CGI-Comissão Geral de Inquérito. Fazia-se um tribunal à margem da lei, tal como acontecera com a República do Galeão, criada pela Aeronáutica em agosto de 1954 para investigar e julgar o então presidente Getúlio Vargas. Antônio Houaiss escreve:
     
"Às primeiras horas do dia 25, por iniciativa de vários políticos, dentre os quais sobressaiam o governador Carlos Lacerda e o deputado Armando Falcão, reunia-se a Câmara, convertida, por iniciativa dos deputados José Maria Alckmin e Paulo Lauro, em Comissão Geral de Inquérito, figura desconhecida no Direito Constitucional do país, e convoca para depor, em plenário, e na mesma data, o ministro Oscar Pedroso Horta [Justiça]. Fazia-o ao arrepio da lei, isto é, sem que àquele titular fosse dada ciência prévia das questões que seriam propostas ou marcasse ele o dia do próprio comparecimento." 
      
Acrescentemos que, se quisessem esclarecer toda verdade, deveriam convocar primeiro Carlos Lacerda, autor de uma denúncia sem provas. Que dissesse ele onde obteve as informações que divulgou, em que circunstâncias se dera o pretenso encontro com o ministro da Justiça e que elementos mais poderia fornecer aos parlamentares para dar credibilidade a tão grave acusação, atingindo a autoridade do presidente da República. 
     
Todavia, a esta altura, nenhuma convocação mais era necessária. Lá pelas três horas da tarde, surge um novo tumulto, centralizado em um grupo de deputados, acantonado no plenário. A cigarra toca, chamando a atenção dos parlamentares. Então, o deputado Dirceu Cardoso pede licença e vai à tribuna para anunciar que tem em mãos um importante documento, assinado pelo presidente da República. E faz a leitura. 
     
A carta-renúncia
     
 Pasmado, o plenário da Câmara ouve o teor da carta-renúncia e da exposição de motivos, lidas ambas por Dirceu Cardoso. A primeira é lacônica:
     
"Nesta data, e por este instrumento, deixando com o ministro da Justiça as razões do meu ato, renuncio ao mandato de Presidente da República.
    
 
"Brasília, 25 de agosto de 1961. a) Jânio Quadros,"
    
 A exposição de motivos é mais longa e lembra muito a carta-testamento de Getúlio Vargas:
     
  "Fui vencido pela reação e, assim, deixo o Governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando, infatigavelmente, sem prevenções, nem rancores. Mas baldaram-me meus esforços para conduzir esta nação pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, o único que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social a que tem direito o seu generoso Povo.
     
"Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia, que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou indivíduos, inclusive do exterior. 
     
"Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou me infamam, até com a desculpa da colaboração. Se permanecesse não manteria a confiança e a tranqüilidade, ora quebradas, e indispensáveis ao exercício de minha autoridade. Creio mesmo que não manteria a própria paz pública.  
     
"Encerro, assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes e para os operários, para a grande família do País, esta página de minha vida e da vida nacional. A mim, não falta a coragem da renúncia.
     
"Saio com um agradecimento e um apelo. O agradecimento é aos companheiros que, comigo, lutaram e me sustentaram, dentro e fora do Governo e, de forma especial, às Forças Armadas, cuja conduta exemplar, em todos os instantes, proclamo, nesta oportunidade. 
     
"O apelo, é no sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da estima de cada um dos meus patrícios para todos, de todos para com um. Somente, assim, seremos dignos deste país e do mundo. Somente, assim, seremos dignos da nossa herança e da nossa predestinação cristã.  
     
"Retorno, agora, a meu trabalho de advogado e professor. Trabalhemos, todos. Há muitas formas de servir nossa Pátria.
     
"Brasília, 25-8-61 a) Jânio Quadros
   
A reação do Congresso
     
 A esta altura, Jânio Quadros já viajara para São Paulo, pousando o avião na Base Aérea de Cumbica, onde ele é recebido pelo governador Carvalho Pinto, que lhe dá abrigo até que o ambiente clareie o suficiente para conhecer a posição da Câmara em torno do assunto.
     
A reação dos deputados talvez não tenha sido aquela que ele esperava. No princípio, até houve quem quisesse primeiro ouvir o Presidente para saber das razões reais e, se possível, até demovê-lo de seu propósito. 
     
 Todavia, a opinião geral era a de que uma renúncia é unilateral, cabe cumpri-la, não discuti-la. O vice-Presidente da República se achava em viagem oficial à China e o terceiro, na ordem de sucessão era o presidente da Câmara, deputado Ranieri Mazzili. O deputado Osmar Cunha foi curto e grosso:
     
"Que assuma Ranieri Mazilli, imediatamente, o Governo, de acordo com a Constituição da República, para que se mantenha a legalidade neste país, para que se mantenha a ordem e para que não venha o golpe contra esta nação. Vamos levar ao palácio Ranieri Mazzilli para que assuma, na forma da Constituição da República, o Governo do Brasil." 
     
O deputado Almino Afonso faz um libelo contra Jânio Quadros:
     
"(...) Ainda ontem – diria mal – ainda na madrugada de hoje, reunidos os deputados na Câmara, para tomar conhecimento das graves acusações que eram feitas pelo governador da Guanabara, tínhamos a informação do sr. ministro da Guerra, o marechal Odilio Denys, de que a vida nacional corria tranqüila, de que todo o país repousava em ordem, na disciplina, no acatamento à lei (...)
     
"Então eu me indago, sr. Presidente: que estranha dualidade é esta? Que forças tão poderosas são estas que derrubam um presidente da República, quando as Forças Armadas, por inteiro, na declaração do próprio presidente da República, no seu documento de renúncia, estariam unânimes, firmes na manutenção da ordem, na defesa do regime democrático?"(...)
     
"O sr. Jânio Quadros entendeu que não tem possibilidades de comandar. Renunciou. A renúncia está aceita."
     
 Sem nada decidir, a reunião foi encerrada, convocando-se outra para as 21h30.
     
Alguma coisa estava fora dos eixos, pois o Congresso é formado por Câmara e Senado e este último ainda não havia se manifestado. Por volta das três horas da tarde, o presidente do Senado, senador Auro Soares de Moura Andrade (por conseqüencia também presidente do Congresso) recebeu o ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta e, na presença de várias testemunhas, tomou conhecimento da renúncia do presidente da República e recebeu duplicata das cartas enviadas à Câmara. 
     
 Imediatamente, tomou providências para convocar o Congresso (Câmara e Senado juntos) em reunião extraordinária, o que aconteceu logo em seguida ao encerramento da reunião da Câmara. A sessão durou apenas dez minutos, formalizando a aceitação da renúncia e determinando que Ranieri Mazzilli assumiria interinamente, até o retorno do vice-Presidente, João Goulart.
     
Tropas do Exército ocuparam as ruas, preservando sobretudo a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes, tomando a precaução de deixar livre a entrada do Congresso, para não caracterizar um sítio aos parlamentares. O restante do país foi também colocado em prontidão. E assim terminou, laconicamente, o governo Jânio Quadros, projetado para cinco anos e encerrado antes que se completassem sete meses de mandato. 
      
As causas da renúncia
     
É provável que ninguém saberá jamais por que Jânio Quadros renunciou. Se alguém o sabia, por certo era ele próprio e levou seu segredo para o túmulo. Mas há uma dica, contida no livro "História do Povo Brasileiro", de Jânio Quadros e Afonso Arinos. O capítulo relativo à renúncia foi escrito especialmente por Antônio Houaiss, mas sua inclusão no livro se deu com a concordância ou, pelo menos com o conhecimento de seu principal autor, o próprio Jânio Quadros. Escreve Houaiss:
     
"Seu raciocínio foi o seguinte: primeiro, operar-se-ia a renúncia; segundo, abrir-se-ia o vazio sucessório – visto que a João Goulart, distante na China, não permitiriam as forças militares a posse, e destarte, ficaria o país acéfalo; terceiro, ou bem se passaria a uma fórmula, em conseqüência da qual ele mesmo emergisse como primeiro mandatário, mas já dentro de um novo regime institucional, ou bem, sem ele, as Forças Armadas se encarregariam de montar esse novo regime, cabendo, em conseqüência, depois, a outro cidadão – escolhido por qualquer via – presidir o país sob o novo esquema viável e operativo: como, em tudo, o que importava era a reforma institucional, não o indivíduo ou indivíduos que a promovessem, sacrificando-se ele, ou não se sacrificando, o essencial iria ser atingido. 
     
"O plano, porém, falhou exatamente na vacilação dos chefes militares.
   
"(...) Jânio Quadros acreditou que os destinos nacionais, num dado momento, dependiam de sua coragem de sacrificar sua carreira pessoal.
     
 "Faltou-lhe, porque disso não proviera, o sistema de forças políticas que o amparassem nessa direção. Faltou-lhe, porque não quis trair a própria imagem, a vontade de querer continuar a ser presidente, ao preço da acomodação.
     
"Para ele, dirá sempre, a política não é a arte do possível, se o possível é condicionado pelo caduco; é, sim, a arte do possível, dentro das necessidades globais – algumas das quais estavam clamando por urgentes decisões, que o sistema de forças vigente rejeitava." 
     
Epílogo
      
Com o episódio da renúncia, Jânio Quadros apagou-se politicamente. Em 1962, candidatou-se a governador do Estado de São Paulo, perdendo as eleições para seu arqui-rival, Ademar de Barros.
     
 O golpe de Estado de 1964 cassou-lhe os direitos políticos, confinando-o no interior do país. Mais tarde, fundou uma editora, publicando coleções de livros, entre eles, a "História do Povo Brasileiro", em quatro volumes, já citado acima.
     
Somente em 1985 volta à vida publica, elegendo-se uma vez mais prefeito de São Paulo, para um mandato excepcional de apenas três anos. Era o eleitorado paulistano que, pela segunda vez reconquistava a cidadania cassada. E nas duas vezes a reconquista da cidadania se fez com a eleição de Jânio Quadros e com a derrota de adversários com sobrenomes idênticos. Em 1953 o concorrente era Francisco Antônio Cardoso; em 1985, Fernando Henrique Cardoso.  
   
  Para não desmerecer sua biografia, recheada de renúncias, também desta vez Jânio abandonou a Prefeitura dez dias antes de completar o mandato, viajando para Londres. E os últimos dias de governo foram administrados por seu Secretário de Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo.
     
Se um guerreiro deve morrer na luta, Jânio não teve o fim que merecia. Vítima de três derrames cerebrais, permaneceu inerme numa cadeira de rodas, guiado por sua filha, que lhe conduzia os passos e lhe interpretava os balbucios, colocando em sua boca coisas que por certo ele nunca pretendeu falar. 
    
 Dona Eloá faleceu em 22 de novembro de 1990, quando seu marido já não tinha condições de entender o que se passava à sua volta. Jânio Quadros morreu em 16 de fevereiro de 1992, aos 75 anos de idade, deixando atrás de si o rastro de uma disputa familiar pela herança do casal.
    
Quanto à herança politica, entregue aos brasileiros sem que estes a desejassem, esta resultou em 21 anos de governos militares discricionários, que só se encerraram em 1985. A renúncia de Jânio custou muito à Nação brasileira, que até hoje luta para recuperar o tempo perdido.

(*) é professor universitário, jornalista e escritor

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8 Comentários:

Às 23 de julho de 2010 às 09:22 , Anonymous Rose disse...

Giba, isso é que chamo de "Verdadeiro Relato da vida de Jânio"
Parabéns ao jornalista Nelson Valente pela obra.
Abraço

(Rose)

 
Às 23 de julho de 2010 às 14:28 , Blogger Giba disse...

Olá Rose, tudo bem contigo?
Eu agradesço em nome do Nelson Valente, que hoje é o maior especialista em Jânio Quadros do País.
Se você juntar todos os artigos que tem no Gibanet, onde Nelson está falando de Jânio, já tem material que faz com que se entenda perfeitamente a trajetória deste ícone da política nacional.
E como é dito na bíblia: "Conhecerás a verdade e esta o libertará."
Aprendemos muitas mentiras na escola, principalmentte quem estudou na época da ditadura militar. Agora temos a oportunidade de saber a real história desta época em nosso país.
Um grande abraço minha amiga
Giba

 
Às 23 de julho de 2010 às 19:08 , Blogger Silvana Marmo disse...

Olá Giba,
Este tipo de informação nossos jovens deveriam pelo menos ter noção, a maior dificuladade que encontarmos nas escolas é passar um pouco d3e nossa história, mas eles sempre dizem que não era nascido naquele tempo, e sabe o que é pior, eu não estou exagerando.
Seu texto é uma resenha de um periodo politico.
Parabéns
Meu carinho

 
Às 23 de julho de 2010 às 20:04 , Anonymous Ripardo disse...

Valeu! Obtive muitas informaçes novas prara mim.
Abraços

 
Às 23 de julho de 2010 às 21:57 , Blogger Silvana Marmo disse...

Olá Giba,
Este tipo de informação os nossos jovens deveriam pelo menos ter noção, mas a maior dificuldade que encontrarmos nas escolas é mostrar um pouco de nossa história, mas eles sempre dizem que não era nascido naquele tempo, e sabe o que é pior, eu não estou exagerando.
Seu texto é uma resenha de um período político. Desculpa, mas minha cabeça pensa mais rápido que meus dedos e a ansiedade me impede de rever o texto.
Parabéns
Meu carinho

 
Às 24 de julho de 2010 às 01:07 , Blogger Giba disse...

Olá Ripardo, a idéia destes textos é exatamente esta, trazer ao leitor muitas informações que geralmente não se sabe e também, trazer a verdade.
Se tiver interesse, há outros textos sobre Jânio Quadros aqui no blog.
Obrigado por sua visita
Um grande abraço
Giba

 
Às 24 de julho de 2010 às 01:10 , Blogger Giba disse...

Olá Silvana,
Sei que não está exagerando, também sei que a maioria dos jovens não se interessa por nada além de futilidades.
O texto não é meu, mas sim do Nelson Valente, que conhece a fundo a história de Jânio.
Muito obrigado por sua visita e saiba que você é sempre muito bem vinda.
Um grande abraço
Giba

 
Às 24 de julho de 2010 às 01:38 , Anonymous Anônimo disse...

Giba

Certas coisas permanecem sem serem esclarecidas.
Naquela época Brasília era uma cidade fantasma.
Todas as sextas-feiras saia de Brasilia,com destino ao Rio de Janeiro um avião levando todos os parlamentares.
No Rio cada um deles pegava um outro avião para o seu estado.
A ordem de Janio era para que a carta renúncia, que já estava pronta há dias, chegasse ao Congresso por volta das 14h00. Neste horário o portador não encontraria ninguém no congresso e seria o motivo para o golpe. O Congresso seria fechado.
Naquela sexta-feira o avião atrasou e ao chegar ao Congresso o portador encontra o seu presidente que recebe a carta renúncia e após lê-la diz aos seus pares: "Ele está certo que voltará nos braços do povo, mas desta vez ele não volta".
Janio já estava a caminho de São Paulo. O golpe para fechar o Congresso havia falhado.
Abraços!
Felipe

 

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